terça-feira, 26 de janeiro de 2010

PATRIMÓNIO E MEMÓRIA PESSOAL E COLECTIVA



No Alentejo Central, na aldeia de Brotas ,no concelho de Mora, uma zona montanhosa com vales cavados, onde correm riachos de águas cristalinas, existe um santuário do culto mariano com quase seiscentos anos de existência, comenda da Ordem de São Bento de Aviz que patrocinou a sua construção cerca do ano de 1424.
Trata-se do Santuário de Nossa Senhora de Brotas cuja importância do seu culto se reflecte no facto de não só se ter expandido em Portugal, de norte a sul, como também ao Brasil e à Índia. No Brasil existe mesmo uma cidade com o nome de Brotas e em Goa, na ilha de Angediva, os franciscanos edificaram uma igreja em honra de Nª Sª de Brotas, hoje lamentavelmente abandonada e em ruínas.Dos pouco mais de 500 habitantes actuais da povoação de Brotas muitos ainda lamentam o brilho perdido das peregrinações anuais ao Santuário de Brotas, em resultado da propaganda efectuada pelo governo e pela igreja do tempo do Estado Novo, que à época se confundiam, sobre as aparições da Cova da Iria, desviando deliberadamente o centenário culto mariano de Brotas para a então recém-criada “Fátima, terra de fé”.No “altar das almas” do Santuário de Nossa Senhora de Brotas existe uma imagem da Virgem, talhada em marfim, com cerca de um palmo de tamanho. O imaginário popular vê nela a imagem talhada em osso de vaca, que segundo a lenda que a tradição e o saber dos mais velhos adoptaram terá dado origem à construção do Santuário.

Pesquisa feita AQUI

Conta a lenda que andando um guardador de vacas nos pastos com a sua manada uma das vacas caiu ao ribeiro partindo uma perna. Preparava-se o jovem pastor para abater a vaca, pois esta deixara de ter qualquer valor quando lhe apareceu a Virgem que lhe disse: “Constrói neste local uma ermida em minha devoção que a tua vaca será curada”. Logo ali o guardador de vacas talhou a canivete a imagem da sua devoção e quando foi pela vaca esta estava viva e saudável.Logo ali chamou o povo que ao deparar com este milagre se reuniu para construir a igreja, depois transformada em Santuário pela devoção popular. Foi também o povo que exigiu que na representação iconográfica de Nossa Senhora de Brotas passasse igualmente a figurar uma vaca, a vaca que a lenda evoca.
Quando as pessoas da terra foram para a guerra colonial ,muitos dos familiares que ficaram prometeram as mais variadas coisas em devoção a Nossa Senhora das Brotas ,para que todas essas pessoas voltassem são e salvas .Como todas essas pessoas voltaram têm sido essas mesmas pessoas a continuarem essa devoção.
Este espaço teve uma grande influência no meu trajecto pessoal pois quando eu tinha sete anos tive que mudar de casa e essa nova casa ficava próxima da igreja. De início a Igreja tinha pouco significado para mim, até porque não a frequentava, mas um vizinho, o senhor Grilo, contava-nos muitas histórias sobre a igreja, dizia-nos que a igreja era para ser construída na parte nova da aldeia mas as pessoas da parte mais antiga, que se opunham a isso, voltavam a colocar os materiais de construção onde hoje se encontra instalada a igreja. Como havia uma certa rivalidade entre as duas zonas da aldeia, para mim isso tornava-se uma vitória que nós tínhamos conseguido face à aldeia nova. O meu pai, que andou na guerra colonial, também contava que ninguém morreu nessa guerra devido à padroeira da terra que é a Nossa Senhora de Brotas. Nessa altura, contam, havia um lagarto muito grande que tinha feito da igreja a sua casa. As pessoas que foram para a guerra com o meu pai caçaram esse lagarto e retiraram-lhe a pele e depois cada uma dessas pessoas levou um bocado como um amuleto para lhe dar sorte, o que acabou por acontecer.
Foi nesta igreja que fiz a primeira comunhão. Eu e os meus amigos, quando íamos para a catequese às sexta-feiras à tarde, gostávamos de entrar na igreja como se fôssemos pagadores de promessas devido a uma novela que estava a passar na altura na televisão. Era um ponto de encontro para mim e para os meus colegas quando estávamos de férias da escola, onde nos encontrávamos para jogarmos futebol no largo da igreja, cuja velha porta servia de baliza. Nos meses das férias escolares apareciam na terra os filhos das pessoas que migraram para as cidades grandes e o nosso ponto de encontro era o largo da igreja onde jogávamos o dito futebol, às cartas e outros jogos.
Em Agosto acontecem as festas em honra de Nossa Senhora Das Brotas e essas festas são realizadas no largo da igreja o que era muito bom porque, como eu era festeiro, andava sempre a ajudar na preparação da festa, durante a qual ia de porta em porta para entregar circulares às pessoas para que elas depois dessem uma prenda que viria a ser sorteada na quermesse, através de rifas.
A igreja é um espaço que me diz muito, porque é um ponto histórico da minha aldeia e assim uma referência extremamente forte para mim. Sempre que falo da minha aldeia a alguém, ela aparece sempre como o ponto mais importante da aldeia, e da sua história.
Os espaços públicos são importantes na memória colectiva das sociedades pois são pontos de referência para os habitantes dessa cidade ou região, e um ponto de encontro para as pessoas dessas comunidades. Esses espaços, pela sua importância para as pessoas da comunidade quando sofrem danos em guerras ou em condições meteorológicas adversas, fazem de tudo para tentarem reparar esses danos.